HISTÓRIAS

Desculpa por não ir ao seu aniversário, atropelei uma criança.


Sinto muito, Sergio, por não ter conseguido ir ao seu aniversário. A verdade é que atropelei uma criança na estrada, — admitiu Jaime enquanto virava de uma vez uma dose de orujo. — Estava trabalhando em umas obras novas, entrei no carro e, assim que peguei a estrada, aquele garotinho surgiu de repente no capô.

Você acredita nisso? Felizmente, eu estava em baixa velocidade.
Desci imediatamente e vi que o menino ainda estava vivo.
Perguntei como ele estava, e ele disse que estava tudo bem.
Era um pequenino ruivo, não devia ter mais de seis anos.

— Onde estão seus pais? — perguntei.
— Mamãe está em casa — respondeu ele —. Está preparando o jantar.
— Certo, vamos lá — disse —. Vamos falar com sua mãe.

Ele me levou até o prédio, apontou para a porta do apartamento e se escondeu atrás de mim.
Toquei a campainha e uma mulher abriu a porta.
Ela era linda, raramente vi algo parecido; mas parecia apagada, não sei como explicar. Seus olhos não tinham brilho, entende?

— Com licença — falei —, aconteceu uma coisa. Por favor, não se assuste: eu atropelei seu filho com o carro.
Ele está bem, está aqui — disse enquanto puxava o menino de trás de mim —. Mas talvez você queira chamar a polícia.

— Não há necessidade de chamar a polícia — respondeu ela, em voz baixa —. Já é a quinta vez que ele faz algo assim.
— Como assim?

— Marcos, vá para o seu quarto — ordenou com firmeza. Depois se voltou para mim —. Entre na cozinha. Aceita um chá? Ou prefere um café?
Aliás, o chá dela era delicioso, feito com ervas.

— Peço desculpas pelo que aconteceu, — disse ela, apresentando-se como Irene —.
Marcos ouviu outro dia eu dizer a uma amiga o quanto é difícil estar sem marido. E, claro, decidiu arranjar um para mim dessa maneira. Já é o quinto homem para quem ele pula na frente do carro. Dois quase tiveram um infarto.
Eu sempre digo a ele que já me basta, mas ele é teimoso como o avô. O avô também, quando encasquetava com algo, ninguém o fazia mudar de ideia.
Seu carro não ficou muito danificado, ficou? Quer que eu pague pelo conserto? Não? Bom, como preferir.

E lá estava eu, olhando para ela, percebendo que tinha me apaixonado.
Você não vai acreditar, Sergio, mas foi a primeira vez que tive certeza absoluta: aquela era a minha mulher.
Exausta, de roupão, sem maquiagem.
E senti que, se a perdesse, eu me jogaria pela janela.

— Sei que isso pode parecer absurdo, mas… me permitiria compensar convidando você e Marcos para irmos ao cinema? — perguntei.
— Não é necessário — disse ela —. Entenda que Marcos poderia voltar a imaginar coisas.

— Pareço desagradável para você? — perguntei.
— Não é isso.
É só que… em outras circunstâncias…
Isso parece como se eu tivesse usado meu filho de propósito para arrumar um marido.
Me dá vergonha.

— Então eu seria um canalha querendo me aproveitar da situação, — brinquei —.
Pois bem, vamos arder no inferno. Mas já que estamos aqui, por que não queimar na mesma fogueira?

— Não me lembro bem do que mais falei, mas no dia seguinte fui buscá-los e os levei para assistir “Transformers” no cinema. Depois jantamos em um restaurante. E então…

Pois é, Sergio, vim te contar que vamos nos casar em junho. Precisamos de um fotógrafo.
Você acha que dá conta? Olha só como eles são fotogênicos.

Jaime tirou o celular do bolso e mostrou uma foto de uma linda ruivinha sorridente e do menino sentado ao lado dela.

Agora tenho certeza de que Cupido não tem asas.
O que ele tem é um monte de sardas ruivas e falta dois dentes de leite.
O nome dele é Marcos. Mas o sobrenome… Bom, em breve será o de Jaime, disso eu não tenho dúvidas…


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