EU PENSAVA QUE MINHA MÃE ESTAVA APENAS ALIMENTANDO O CACHORRO DO VIZINHO — ATÉ VER O ROSTO DELA QUANDO ELE FOI EMBORA.

Eu não fazia ideia de quão solitária ela havia se tornado. Nenhuma.
Depois que o papai faleceu, eu ligava para ela uma vez por semana. Ia visitá-la quando podia. Enviava aquelas geleias estranhas da feira que ela gostava, meias de lã, palavras cruzadas. Parecia o suficiente. Ela soava bem, então me convenci de que estava bem.
Até que voltei para casa num fim de semana e a vi sentada na varanda com um cachorro que eu não reconhecia — um enorme e desajeitado São Bernardo, todo babado e peludo. Ela tinha uma mão sobre o lombo dele, a outra segurando seu chá, e no rosto… uma expressão de calma, talvez. Ou algo parecido. Como se fizesse muito tempo desde que ela tivesse se sentido realmente vista.

“Ah, esse é o Murphy”, ela disse. “Estou cuidando dele enquanto o Mark está viajando.”
Achei adorável, até perceber que o Murphy não era apenas um hóspede. Ele era a sombra dela. Acompanhava-a por todos os cômodos. Esperava do lado de fora do banheiro. Sentava ao lado da cadeira durante o jantar. Quando ela ria, ele abanava o rabo como se tivesse salvado o mundo. E quando ela ficava em silêncio — quando o luto voltava, como sempre volta — ele encostava a cabeça no colo dela, como se entendesse.
Perguntei há quanto tempo ela estava cuidando dele. “Ah, só há alguns dias”, ela respondeu. Mas eu percebi como o olhar dela o acompanhava por toda parte, como se estivesse se preparando para perder algo importante.
Quando Mark voltou, Murphy ficou eufórico. Latia, corria em círculos. Mas minha mãe… ela não se levantou. Apenas ficou sentada, com as mãos entrelaçadas e o olhar distante. Como se estivesse deixando ir algo que nem sabia que precisava.
Mark prendeu a guia, e Murphy hesitou. Virou-se. Olhou para ela como quem não entendia.
E foi nesse momento que tomei uma decisão — uma que ela ainda não sabe.
Na manhã seguinte, acordei cedo. A casa ainda estava silenciosa, exceto pelo leve ruído da cafeteira na cozinha. Como mamãe ainda não tinha acordado, saí discretamente com o celular na mão. Encontrei Mark guardando malas no carro. Apesar de parecer surpreso em me ver, ele abriu um largo sorriso.
“Ei, Clara,” disse ele. “Como está sua mãe?”
Hesitei antes de dizer o verdadeiro motivo de eu estar ali, mas enfim falei:
“Ela está… levando como pode. Mark, será que a gente pode conversar um minuto sobre o Murphy?”
Ele assentiu, com o sorriso murchando um pouco. “Claro. O que houve?”
Respirei fundo. “Percebi o quanto ela gosta da companhia dele. É como se ele preenchesse um vazio que a gente nem sabia que existia. Acho que ela precisa dele mais do que imaginamos.”
Mark coçou a nuca e franziu o cenho. “Entendo o que quer dizer. Mas Murphy é meu amigo. Eu também o considero família. E ele dá trabalho, exige cuidado.”
“Eu sei,” respondi, de repente. “Não estou pedindo pra você abrir mão dele. Só… talvez pensar em compartilhá-lo? Dividir o tempo dele entre as duas casas. Assim você continua com ele quando quiser, e minha mãe tem a companhia que claramente precisa.”
Mark me olhou por um instante e então suspirou lentamente. “Você tem razão. É verdade que ela parece diferente perto dele. De algum jeito… mais feliz. Eu vou pensar com carinho.”
Agradeci e voltei para dentro, aliviada. Ao entrar, vi mamãe sentada à mesa da cozinha, olhando pela janela, exatamente onde Murphy estivera minutos antes. A expressão dela — um misto de saudade e resignação — partiu meu coração.
Naquela tarde, decidi levá-la para passear. Fomos até o parque e caminhamos pelas trilhas enquanto as folhas secas estalavam sob nossos pés. Pela primeira vez em anos, ela falou sobre como tinha sido difícil desde que o papai morreu. Como a casa parecia vazia sem ele. Como, mesmo valorizando minhas ligações e visitas, o que ela mais sentia falta era ter alguém — ou algo — com quem compartilhar a rotina.
Quando voltamos para casa, tive certeza de que falar com Mark havia sido a coisa certa. Mas decidi não contar nada, por enquanto.
Dias depois, Mark apareceu de surpresa, com Murphy trotando ao lado. Vi minha mãe parar no meio do caminho, os olhos se arregalando. Meu coração saltou.
Mark entregou a guia com gentileza e disse:
“A Clara comentou que vocês dois ficaram bem próximos. Achei que talvez o Murphy pudesse dividir o tempo entre as nossas casas. Claro, se estiver tudo bem por você.”
Mamãe ficou sem palavras por um instante. Depois, com os olhos cheios de lágrimas, puxou Mark para um abraço.
“Obrigada,” disse com a voz embargada. “Muito obrigada.”
A partir daquele dia, tudo mudou. Aos poucos, mamãe foi melhorando. Voltou a fazer caminhadas, conversar com os vizinhos e até se voluntariar no abrigo de animais do bairro — sempre com Murphy ao lado. Começou a cozinhar mais (“pro Murphy”, dizia), a rir com mais frequência, e até a receber amigos para noites de jogos.
Mas as coisas tomaram um novo rumo alguns meses depois, quando Mark apareceu novamente — dessa vez sem o Murphy. Sentou-se no sofá, os ombros curvados.
“O que houve?” mamãe perguntou, preocupada.
Ele soltou um longo suspiro. “Na semana passada perdi o emprego. A empresa fez cortes. Talvez eu tenha que me mudar em breve. O aluguel está insustentável e não sei por quanto tempo mais consigo segurar.”
Mamãe olhou para ele, depois para mim. Um segundo depois, falou baixinho:
“Se você precisar de um lugar temporário para ficar… pode ficar conosco. O quarto de hóspedes está livre.”
Mark arregalou os olhos. “Sério?”
“Claro,” disse ela com firmeza. “Você tem sido um amigo e vizinho incrível. É o mínimo que podemos fazer.”
Nas semanas que se seguiram, criamos um ritmo diferente. Mark ficou no quarto de hóspedes, jantava conosco, ajudava nas tarefas da casa. Murphy, feliz com todos reunidos, virou o elo entre nós três. A casa encheu-se de risadas. Mark começou a se abrir sobre suas dificuldades. Mamãe passou a contar histórias sobre papai que não ouvíamos há anos.
Numa noite, jogando cartas perto da lareira, Mark sorriu e disse:
“Sabe… eu nunca imaginei isso aqui. Mas, sinceramente? Isso aqui parece uma família.”
Foi então que percebi: ninguém ali sabia como preencher o vazio que a morte do meu pai deixou. Mas, sem querer substituí-lo, nós criamos algo novo. Algo bonito. E inesperado.
Meses viraram um ano. Mark conseguiu um novo emprego na cidade — e decidiu ficar. Nós três (com o Murphy, é claro) construímos uma nova vida. O luto ainda existia, mas mais leve. Já não nos definia.
No fim das contas, descobri que o amor não tem limite. Quando alguém vai embora, o amor não desaparece — ele se transforma. E encontra formas novas de nos conectar às lembranças, uns aos outros… e, às vezes, até a estranhos que acabam virando família.
Por isso, querido leitor, se você já se sentiu preso na dor de uma perda, lembre-se: curar não é voltar ao que era. É estar aberto ao que pode vir a ser.
Se essa história tocou o seu coração, compartilhe. Vamos lembrar a nós mesmos — e aos outros — que sempre há esperança. ❤️