HISTÓRIAS

ELE VIU ALGUÉM PARECIDO COM ELE — E DE REPENTE, PAROU DE SER TÍMIDO.


Tudo começou com ele se escondendo atrás da minha perna.

Luca nunca foi de conversar com estranhos. Ele puxa a barra da camiseta, se encolhe e fica ansioso em meio a multidões. Quando você nasce sem uma parte do braço, as pessoas olham. Algumas sussurram. Algumas fazem perguntas que me fazem estremecer — imagina para uma criança tão pequena.

Estávamos apenas comprando lanches no estádio quando ela nos notou.

Ela usava um moletom amarelo e conversava com alguns torcedores, ajoelhada num canto do lounge. Mas quando olhou para Luca, algo mudou completamente na expressão dela.

Ela se levantou, caminhou devagar até nós e se ajoelhou novamente — exatamente na altura dele.

Então, sem dizer uma palavra, levantou o braço.

Era exatamente como o dele.

Luca congelou. Seus olhos se arregalaram. Depois me lançou um olhar como quem diz “isso é real?”, e então, lentamente, como se fosse o gesto mais sagrado do mundo, levantou seu bracinho para tocar o dela.

Seus cotovelos se encostaram.

E então ele sorriu. Um sorriso de verdade. Aquele sorriso suave e orgulhoso que só aparece quando ele se sente corajoso, visto e, no fim das contas, não tão diferente assim.

Descobrimos que ela era uma atleta profissional. Nascida exatamente como ele. E disse a ele:
— Você pode fazer qualquer coisa que quiser. Até melhor que muitos por aí.

Acho que ele não entendeu todas as palavras.

Mas o jeito como ficou mais ereto depois? A forma como caminhou pelo estádio com o braço erguido e o peito estufado?

Sim. Ele entendeu o recado.

E o que ela me disse antes de partirmos… eu nunca vou esquecer.

Ela afastou o cabelo curto do rosto, olhou de Luca para mim e disse:
— Sabe, crianças como ele… precisam de momentos como este. O mundo se esforça muito para convencê-las de que são menos. Mas não é porque estão quebradas ou faltando algo.

Ela falou com uma calma quase natural, mas cada palavra tinha peso. Não era apenas uma conversa — era parte dela. Experiências acumuladas ao longo de anos vivendo em um corpo que não segue os padrões.

— Agora ele não se vê como menos — continuou ela, apontando para Luca, que brincava distraído com um daqueles dedos de espuma. — Porque, pela primeira vez, ele viu alguém como ele… vencendo. A gente subestima o poder da representatividade.

Assenti, apertando a xícara de café mais forte do que devia. Não estava preparada para o quanto aquilo me tocaria. Ela parecia ter acessado medos e inseguranças da minha própria infância — não era só sobre o Luca mais.

Ela completou:
— Continue deixando ele sonhar alto. Não deixe ninguém — nem mesmo você — dizer a ele que não pode.

Depois sorriu para nós dois, bagunçou o cabelo de Luca e voltou para o grupo com quem estava conversando. Fiquei ali parada, com os olhos marejando, vendo-a desaparecer na multidão.

A volta pra casa foi estranhamente silenciosa. Com o dedo de espuma nas mãos como se fosse um troféu, Luca olhava pela janela. E, pela primeira vez, eu não tentei preencher o silêncio. Deixei ele processar aquela magia vivida no estádio.

Mas a vida tem um jeito curioso de testar nossas lições logo após aprendê-las.

Algumas semanas depois, Luca voltou triste da pré-escola. O projeto do dia era desenhar o contorno das mãos com papel colorido. Simples — a não ser que você seja uma criança com o braço diferente. E quando Luca hesitou, um colega — acho que Ethan — gritou alto:
— Por que sua mão é esquisita?

Meu coração despencou. Queria invadir a sala, exigir explicações, consequências, desculpas. Mas respirei fundo, sentei com Luca e perguntei como ele se sentia com o que aconteceu.

Ele ficou mexendo na beirada da mesa e murmurou:
— Não sei. Todo mundo me olhou.

E depois disso, ficou dias em silêncio. Nem minhas tentativas de consolo ajudaram. Minha mente voltou à mulher do estádio. O que ela faria? Como reagiria?

Foi aí que me veio a ideia.

Liguei para o centro comunitário onde Luca fazia aulas de natação de vez em quando, perguntando se havia programas para crianças com deficiências. E havia — um encontro mensal para crianças com diferenças de membros e suas famílias. Inscrevi a gente na hora.

A primeira reunião foi tensa para nós dois. Luca entrou agarrado em mim, olhando tudo com desconfiança. Mas, alguns minutos depois, viu um menino da idade dele montando uma estrutura de LEGO só com os pés. E uma menina pintando com um pincel entre os dentes. O medo foi dando lugar à curiosidade, e Luca se aproximou.

Ao final da tarde, ele brincava e sorria como não fazia há semanas. Enquanto eu o observava interagir com aquelas crianças — todas com suas lutas, mas cheias de confiança —, voltei àquele dia no estádio. Aquelas não eram apenas brincadeiras. Eram salvação.

Durante o lanche, uma mãe chamada Clara veio conversar comigo. O menino do LEGO era o filho dela, Mateo. Compartilhou histórias que refletiam minhas próprias angústias — a dificuldade de incluir o filho em ambientes convencionais. Trocamos contatos e prometemos manter o vínculo.

Com o passar dos meses, Luca floresceu. Ganhou habilidades, fez amigos, e deixou de focar no que lhe faltava para celebrar quem ele era. Mas ainda sentia que faltava algo. Algo maior.

Foi então que, uma noite, me deparei com um vídeo da mulher do estádio enquanto navegava nas redes sociais. Era uma palestra TED sobre identidade, aceitação e superação. Marisol Rivera — medalhista de ouro nas Paralimpíadas.

Enviei uma mensagem na hora. Agradeci pelo impacto não intencional que ela havia causado em nossas vidas e contei brevemente como aquele encontro nos transformou. Para minha surpresa, ela respondeu poucas horas depois.

Marisol se ofereceu para fazer uma sessão de perguntas e respostas virtual com o grupo de apoio. Queria contar sua história, responder perguntas e oferecer apoio. Fiquei animada — e nervosa. Luca iria participar? As outras crianças iriam gostar?

No dia do encontro, a tensão era visível. Mas assim que Marisol apareceu na tela com um sorriso caloroso, o nervosismo desapareceu. As crianças começaram a perguntar, uma de cada vez:
— Qual é o seu esporte favorito?
— Você já ficou triste por causa do seu braço?
— Corre muito rápido?

Luca me surpreendeu quando chegou sua vez. Em vez de falar sobre esportes ou medalhas, perguntou baixinho:
— Você ainda sente medo às vezes?

Marisol ficou pensativa.
— O tempo todo — respondeu. — A questão é que sentir medo não significa parar. Significa seguir em frente mesmo assim. Ser corajoso é continuar, mesmo com medo.

Enquanto Luca ouvia atento, absorvendo cada palavra, meus olhos se encheram de lágrimas.

Um ano depois, Luca já não é mais o menino tímido que se escondia atrás da minha perna. Entrou no ensino fundamental com confiança, participa de um time adaptado de esportes e até leu um poema sobre “ser diferente e incrível” numa apresentação da escola.

E eu aprendi uma verdade essencial: representatividade não é só ver alguém como você. É sentir que você pertence. É confiar no próprio valor. É saber que você é suficiente.

Ah — e a surpresa? Marisol convidou Luca para assistir a um torneio onde ela irá competir. E adivinha quem vai assistir da primeira fila com ingressos VIP?

Sim. A vida tem um jeito lindo de fechar os ciclos.

Mensagem final: Às vezes, basta uma pessoa para nos mostrar que não estamos sozinhos. Conexão muda tudo — seja com um amigo, um ídolo ou uma desconhecida de moletom amarelo.
Se essa história te tocou, compartilhe. Vamos lembrar ao mundo que todo ser humano merece se sentir visto, valorizado e capaz. ❤️


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