HISTÓRIAS

A Canção que Trouxe Minha Filha de Volta.


Naquele dia comum, eu voltava para casa do trabalho, com a cabeça cheia de preocupações — contas, prazos, responsabilidades. Mas ao dobrar a esquina da praça da cidade, uma melodia conhecida me paralisou no meio do caminho.

Era aquela música.

A canção de ninar que eu mesmo havia inventado para minha filha Lily, antes dela desaparecer da nossa vida há 17 anos. Uma música sobre um campo de flores e a luz do sol que guiava seus sonhos. Era algo só nosso. Ninguém mais a conhecia. Ninguém.

Mas ali estava ela, clara como a luz do dia, sendo cantada por uma jovem do outro lado da praça. Ela estava de olhos fechados, sorrindo enquanto cantava.

Instantaneamente, todas as minhas preocupações desapareceram. As lembranças invadiram minha mente com força: Lily rindo, brincando, enchendo nossa casa de calor e alegria. E então, o vazio. A dor da sua ausência.

Minhas pernas começaram a se mover sozinhas, como se meu coração estivesse no comando. A jovem parecia tão familiar… cabelos escuros caindo suavemente sobre o rosto, um sorriso que eu juraria já ter visto milhares de vezes em fotos antigas e nas minhas memórias.

Ela até tinha uma covinha na bochecha esquerda — exatamente como a minha esposa, Cynthia.

Será que… poderia ser Lily?

Meu coração disparava. Quando ela terminou a canção, abriu os olhos e percebeu meu olhar fixo. Sorriu, meio tímida.

— Parece que você não gostou da minha apresentação — disse ela, se aproximando. — Cantei tão mal assim?

— Não, não — respondi, com um riso nervoso. — É que… essa música é muito especial pra mim. Muito mesmo.

— Pra mim também — ela disse. — É uma das únicas lembranças que tenho da infância. Eu canto desde que me entendo por gente. É tudo o que restou daquela época.

— Como assim? — perguntei, ansioso.

— É uma longa história — ela olhou o relógio —, talvez outro dia…

— Por favor, deixa eu te pagar um café. Só quero ouvir.

Ela me observou por um instante, depois assentiu. Fomos até uma cafeteria e nos sentamos. Quanto mais eu olhava para ela, mais o meu coração apertava. Era como se uma peça faltando dentro de mim finalmente tivesse voltado ao lugar.

— Você tem uma voz linda — comentei.

— Obrigada — ela sorriu. — Estava só de passagem quando ouvi a banda tocando. Eles perguntaram se alguém queria cantar e… bem, eu cantei.

— Onde você aprendeu essa música? — perguntei, quase sem respirar.

— Eu não aprendi exatamente… é a única coisa que lembro da minha infância. Meus pais adotivos diziam que eu vivia cantarolando isso. Era como meu hino pessoal.

— Pais adotivos? — perguntei, tentando manter a calma.

Ela assentiu.

— Fui acolhida por uma família quando tinha cinco anos. Disseram que meus pais biológicos morreram num acidente de carro. Até mostraram fotos de jornal. Foram bons comigo, me deram amor, brinquedos… Mas eu sempre senti que algo não batia. Quando fiquei mais velha, tentei procurar a verdade. Mas não havia registros. Nada sobre uma criança desaparecida. Só restou essa música… Ela me liga a um passado que eu não entendo.

Meu coração disparava.

— Você lembra de mais alguma coisa? Um nome? Algo dos seus pais biológicos?

Ela ficou pensativa.

— É tudo muito vago. Mas eu lembro de ser feliz… e acho que meu nome era Lily. Só que depois me chamaram de Suzy, e com o tempo, me acostumei.

— M-minha filha… — engasguei — ela também se chamava Lily.

Ela levantou os olhos, surpresa.

— Está falando sério?

Assenti, lutando contra as lágrimas.

— Ela desapareceu quando tinha cinco anos. Há 17 anos. Nunca tivemos respostas… Mas nunca perdemos a esperança. E o nome da minha esposa é Cynthia.

Ela arregalou os olhos.

— O nome da minha mãe… também era Cynthia. Eu lembro porque ela sempre me fazia repetir o nome dela e do meu pai… Você é… você é o John?

— Sim — respondi, pegando sua mão — Eu sou o John.

Ficamos em silêncio, nos olhando, atordoados. Então, lágrimas começaram a rolar. Nos abraçamos, chorando juntos. Era como se todos os anos de dor, saudade e incerteza desabassem ali, naquele instante.

— Pai? — ela sussurrou.

— Sim, Lily. Sou eu. Somos nós.


Levei Lily para casa. No caminho, mal conseguimos conversar. Estávamos ambos em choque. Pedi que ela esperasse do lado de fora enquanto eu falava com Cynthia.

Ao vê-la entrar, Cynthia percebeu algo em meu rosto.

— O que houve? Está tudo bem?

— Amor… nossa Lily está de volta — sussurrei, com os olhos marejados.

— O quê? Não… isso não pode ser… — ela chorava, confusa.

— Está atrás da porta — apontei.

Cynthia correu, abriu a porta… e parou. Lá estava nossa filha. Agora uma mulher, mas ainda nossa garotinha.

— Mãe? — Lily disse, hesitante.

— Meu Deus… meu bebê! — gritou Cynthia, abraçando-a com força.

Elas se agarraram como se jamais fossem se soltar. Eu assistia com o coração explodindo de alegria.

Mais tarde, sentamos juntos e contamos tudo. Lily compartilhou suas lutas, suas memórias vagas. Dissemos que nunca conseguimos ter outro filho, mas nunca perdemos a esperança de reencontrá-la.

Cynthia então perguntou com delicadeza:

— Lily… você aceitaria fazer um teste de DNA? Só… para termos certeza?

— Claro, mãe. Eu também quero ter certeza — respondeu, sorrindo.

Uma semana depois, o resultado confirmou: Lily era nossa. E nós éramos dela.

Nossa casa se encheu de vida novamente — com risos, histórias, lágrimas e o amor que o tempo jamais conseguiu apagar.

Porque quando o amor é verdadeiro… ele sempre encontra o caminho de volta.


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