Apesar de esquecer meu nome, meu marido ainda me espera ao pôr do sol.

Quando me casei com Harold, ele costumava me deixar pequenos bilhetes escondidos em lugares inusitados — dentro do porta-luvas, nos filtros de café, até colados sob a garrafa de sabão em pó. Ele dizia: “Só para o caso de você esquecer o quanto é amada.”
Hoje, sou eu quem o lembra.
Os primeiros sinais foram pequenos lapsos. Onde ele deixava as chaves do carro, nomes, compromissos. Até que um dia, ele parou no meio de uma frase e me perguntou: “Espera… qual é mesmo o seu nome?” Com aquele olhar confuso e culpado, como se soubesse que deveria lembrar, mas que o nome estivesse trancado atrás de uma porta inacessível.

Sorri, beijei sua bochecha e repeti meu nome.
Desde então, cada dia é uma mistura de memória e hábito. Mesmo que ele nem sempre lembre como, ele sabe que sou dele. Às vezes sou “a moça simpática”, outras “a mulher do lenço” ou “a da blusa pêssego”. Meu nome nunca está certo. Mas ele ainda se ilumina quando me vê chegando.
Há um banco nos fundos da casa onde nos sentamos. Ele o chama de “o lugar da espera”. Ninguém o ensinou isso — ele simplesmente começou a chamá-lo assim. No fim da tarde, com seu boné Windy Oaks, ele se senta ali em silêncio, olhando para o horizonte como se algo importante estivesse prestes a acontecer.
Certa vez, perguntei: “O que você está esperando aqui?”
Ele respondeu com um leve sorriso e os olhos fixos à frente: “Ela sempre aparece por essa hora. A mulher dos olhos gentis.”
Foi então que percebi: ele não estava esperando por mim. Ele esperava por outra pessoa. Alguém do passado. Meu estômago se revirou, mas eu não fazia ideia de quem era essa “mulher dos olhos gentis”. A memória dele não estava apenas se apagando — estava se transformando de maneiras que eu não compreendia.
Tentei ignorar. Harold sempre foi romântico e sonhador. Talvez fosse apenas nostalgia, um relance da juventude. Mas todas as noites, ele se sentava naquele banco com a mesma expressão — como se aguardasse um trem imaginário.
No começo, eu me sentava com ele. Ficávamos em silêncio até que o jardim se banhasse em tons dourados enquanto o sol se punha atrás das árvores. Às vezes, ele sorria e concordava quando eu relembrava momentos do nosso passado. Os olhos dele estavam longe, mas quando encontravam os meus, ainda eram calorosos. No entanto, havia momentos em que eu percebia que ele já não estava mais comigo — os olhos vagando além do horizonte.
Não consegui mais negar, por mais que doesse. Eu estava perdendo Harold, pouco a pouco. Não era só o esquecimento de nomes ou rostos — era o desmoronamento silencioso de tudo o que construímos juntos. O primeiro encontro, as piadas internas, as cartas de amor, as viagens. Tudo escorria como areia entre os dedos da mente dele.
Sentei ao lado dele no banco e tentei falar: “Harold, quem é a mulher que você espera?”
Seus olhos suavizaram, depois de uma leve ruga na testa. Pela primeira vez em dias, ele me olhou com seriedade. E, num sussurro quase inaudível, disse: “Ela é quem me esperava na estação. Aquela que prometeu estar sempre lá.”
Meu coração desabou. Entendi tudo. Aquilo não era uma lembrança qualquer. Era uma parte da vida dele antes de mim. Ele tinha amado outra mulher. Alguém por quem esperava — e talvez ainda esperasse, mesmo com a mente falhando.
Respirei fundo, segurei sua mão e, com a voz embargada, disse:
“Harold, eu estou aqui. Eu cheguei. Eu também te amo. Só não sei mais como te alcançar.”
Por um momento, brilhou nos olhos dele um lampejo de reconhecimento. Ele apertou suavemente minha mão, mas logo aquele brilho se foi como uma sombra passageira. Ele sorriu, mas não era o sorriso que eu conhecia. Era um sorriso distante, como se fosse para outra pessoa, em algum lugar do passado.
Semanas se passaram. A memória de Harold permaneceu lá atrás, mas eu continuei ao seu lado naquele banco, vendo o mundo mudar com cada pôr do sol. Os médicos disseram que o Alzheimer é lento, cruel e sem volta. Eu havia rezado para que ele não fosse afetado. Tentei resgatá-lo. Mas quanto mais eu tentava, mais percebia minha impotência.
Numa dessas noites, após mais um silêncio dourado, sentei ao lado dele, esmagada por palavras não ditas. Eu não sabia por quanto tempo mais conseguiria. Depois de tantos anos o apoiando, ajudando-o a realizar seus sonhos, era como assistir ele se apagar — rumo a um lugar que eu não conseguia alcançar.
Sussurrei, mais para mim do que para ele:
“Eu estarei aqui. Mesmo que você esqueça meu nome, eu estarei aqui.”
Na manhã seguinte, ao preparar o café, encontrei algo em seu bolso. Um pequeno pedaço de papel dobrado. A caligrafia era dele, mas trêmula. Meu coração parou por um instante.
Abri cuidadosamente e li, com lágrimas nos olhos:
“Estou esperando por você, mulher dos olhos gentis.
Sempre estarei.”
Por um instante, não consegui respirar. As palavras eram para mim — mesmo que ele achasse que eram para outra pessoa. E então, tudo fez sentido. Eu era a mulher dos olhos gentis. Sempre fui.
Não havia o que dizer. Apenas entendi que aquilo não era mais sobre cuidar dele. Era sobre nós, sobre tudo que construímos ao longo dos anos. Mesmo que a memória falhasse, o amor continuava firme. Só havia se transformado — agora era um amor mais silencioso, mais paciente.
Percebi que não precisava lembrá-lo todos os dias de quem eu era. No coração dele, ele sabia.
Naquele fim de tarde, sentei com ele no banco novamente. Ele já estava lá, esperando, olhando para o horizonte.
Toquei suavemente sua mão e disse:
“Eu estou aqui, Harold. Sempre estive. Sempre estarei.”
Por um instante, ele virou o rosto devagar e me olhou nos olhos. E naquele olhar, estava o homem por quem me apaixonei. Seu sorriso, desta vez, não era distante. Era real.
“Eu sei”, sussurrou. “Eu sei.”
E então, compreendi algo ainda mais profundo. Amar não é só lembrar. Amar é estar presente. É apoiar, mesmo quando o mundo muda. É saber, no coração, que o amor verdadeiro resiste a qualquer tempestade.
Ao seu lado, vendo o sol se pôr, entendi que eu não precisava segurar o passado. Tudo o que eu precisava era viver o agora.
Talvez seja isso o que todos precisamos: estar presentes, amar com sinceridade e deixar de temer aquilo que não podemos controlar.
Se você está passando por algo semelhante, lembre-se: às vezes, a melhor forma de amar é simplesmente estar ali, todos os dias — mesmo nos mais difíceis. Porque o amor, em todas as suas formas, nunca desaparece. Ele apenas muda.