HISTÓRIAS

Após comprarmos uma casa na praia, os parentes de repente se lembraram da nossa existência…

Jamais imaginei que alguém pudesse acusar a mim e ao meu marido de sermos arrogantes. Sempre levamos uma vida simples, sem ostentar ou querer chamar atenção. Estamos ambos próximos dos 50 anos e este é nosso segundo casamento. Eu nunca tive filhos — foi apenas o rumo natural da vida —, mas meu marido tem uma filha adulta. Estamos juntos há quase dez anos e, nesse tempo, conseguimos construir um lar acolhedor, calmo e cheio de harmonia.

Alfonso morava em uma casa nos arredores da cidade, enquanto eu vivia em um apartamento no centro. Após o casamento, me mudei para a casa dele, e essa escolha se mostrou certeira. Logo me encantei com a vida no campo: tranquila, serena e em contato com a natureza. Não éramos de frequentar eventos ou visitar pessoas, e tampouco recebíamos muitas visitas. A única presença frequente era a da filha de Alfonso, María, com quem desenvolvi um vínculo afetuoso e sincero.

Pouco depois do casamento, decidimos fazer uma viagem ao litoral. Aquela escapada deixou marcas profundas em nós dois. A brisa salgada, o som suave das ondas, as praias que pareciam não ter fim… tudo parecia um pedaço do paraíso. Foi então que pensamos: e se, na aposentadoria, morássemos perto do mar? Na época, parecia um sonho distante, quase inalcançável — mas o destino nos surpreendeu.

De forma inesperada, um tio de Alfonso faleceu e lhe deixou como herança um apartamento de três quartos na cidade. Enxergamos nisso a chance de realizar o nosso sonho. Decidimos vender o imóvel herdado, pedir demissão dos empregos e nos mudar para uma cidade litorânea. Pedimos para María cuidar da venda da antiga casa de Alfonso. Ela encontrou compradores rapidamente e nos repassou parte do valor arrecadado. O restante, Alfonso decidiu dar de presente à filha.

Foi assim que começamos uma nova vida em uma charmosa casinha à beira-mar. Conseguimos emprego com facilidade e nossa rotina se tornou leve, tranquila e muito mais prazerosa. No entanto, essa paz não durou tanto quanto esperávamos. Assim que a notícia da nossa mudança se espalhou, começaram a surgir os parentes: irmãos, irmãs, tios, tias e até familiares distantes que mal lembrávamos que existiam.

No início, ficamos felizes com as visitas. Mas logo percebemos uma tendência incômoda. Muitos vinham sem aviso, de mãos vazias, esperando de nós hospitalidade completa. Queriam hospedagem gratuita, comida, atenção e distração. Depois que iam embora, restava para nós a bagunça, pilhas de roupas de cama para lavar e uma despensa praticamente vazia.

O pior era quando apareciam acompanhados de crianças — e até netos — sem sequer nos avisar. Nossa casa havia virado uma espécie de pousada gratuita. Eu e Alfonso começamos a nos sentir esgotados e, acima de tudo, usados.

Foi então que decidimos impor limites. Continuamos recebendo com carinho os parentes próximos, como a irmã de Alfonso com sua filha e María com a família. Eles sempre avisavam com antecedência, traziam alimentos e ajudavam nas tarefas da casa. Mas, para os demais, deixamos claro: não aceitaríamos mais visitas inesperadas, nem ofereceríamos tudo como antes.

Essa decisão gerou revolta. Começaram a nos chamar de metidos, de arrogantes, e disseram que havíamos nos afastado da família. Mas não nos sentimos culpados. Quando vivíamos no campo, essas mesmas pessoas nunca se importaram conosco. Agora que moramos em uma casa de frente para o mar, de repente passaram a lembrar que existimos.

Eu e Alfonso não nos arrependemos da decisão que tomamos. Nossa casa é o nosso refúgio, e temos todo o direito de escolher quem queremos receber — e quando. A vida junto ao mar nos ensinou a valorizar as pequenas alegrias: os passeios matinais na praia, os pores do sol dourados, o som constante e tranquilizante das ondas. E não permitiremos que ninguém abale a paz e a harmonia que tanto lutamos para conquistar.

Artigos relacionados