Dez anos depois, voltei para recuperar o que me tiraram — mas a verdade não era o que eu esperava.

Durante dez anos, achei que tinha deixado o passado para trás. Mas, ao tocar aquela campainha e ver uma menina com olhos familiares me atender, soube que tinha chegado a hora de recuperar o que era meu.
Toquei o interfone com o coração calmo, mas os pensamentos em desordem. A porta de madeira rangeu ao abrir e, diante de mim, apareceu uma garotinha de cabelo castanho e olhos grandes e curiosos — um rosto que eu podia jurar já ter visto antes. Meu coração apertou.

— “Oi, querida,” falei suavemente, mantendo o tom acolhedor. “Sua mãe está em casa?”
Ela inclinou a cabeça e respondeu:
— “Ela está fazendo biscoitos. Está um cheiro tão bom. Você quer um?”
Biscoitos. Um dia comum naquela casa, enquanto o meu mundo desmoronava.
Atrás de mim, ouvi o barulho de uma porta de carro se fechando. Belinda apareceu arrumando o cabelo. Assim que a menina a viu, seus olhos se iluminaram como mil estrelas.
— “Tia Belinda! Que saudade!”
— “E aí, vai convidar a gente pra entrar?” brinquei.
A menina girou nos calcanhares e correu para dentro.
— “Mamãe! Temos visitas! Você não vai acreditar — a tia Belinda tá aqui!”
Das sombras do corredor, surgiu uma figura: Nina. Ela deu um passo até a porta, e seu rosto imediatamente escureceu. Seus olhos foram de Belinda para mim… e voltaram para Belinda.
— “Você não devia estar aqui,” disse entre dentes. “Não temos nada pra conversar.”
— “Ah, mas temos, sim.”
— “Você ainda não consegue esquecer, né, Vivi?”
— “Esquecer? Você quer dizer como você esqueceu nossa amizade? Como você esqueceu a verdade sobre minha filha? E depois, a melhor parte… como você resolveu esquecer do bom senso e levou minha neta também?”
O rosto de Nina ficou inexpressivo.
— “Eu estive lá por Belinda quando você não estava. Eu a criei, protegi, e quando ela não tinha ninguém, fui eu quem salvou ela e a Daisy da sua fúria.”
Belinda finalmente achou a voz:
— “Isso não é…”
Ela parou ao ver a forma como Daisy a olhava, com pura admiração nos olhos infantis. Mas então, outra voz atravessou o caos.
Scooter. Claro que sim.
— “Sabem,” disse, abrindo seu caderninho, “essa discussão parece novela.”
— “Scooter! É pra estar no carro!”
Nina suspirou fundo, virou-se para Daisy:
— “Vá brincar lá fora, querida. Leva o Scooter com você.”
Daisy hesitou, mas obedeceu, pegando a mão dele e saindo.
— “Tudo bem,” disse Nina, massageando as têmporas. “Vamos entrar. Vamos acabar com isso.”
E bem quando dei um passo à frente, senti um movimento atrás de mim.
— “Bom,” disse a voz suave de Harold, “se vamos tomar chá, espero que tenha sobrado uma xícara pra mim.”
Os olhos de Nina se arregalaram. As pernas falharam. Antes que eu pudesse segurá-la, ela desmaiou.
O hospital cheirava a desinfetante e tensão. As horas se esticavam como elásticos. Estávamos ali a noite inteira.
Scooter dormia no meu colo, a cabecinha encostada no meu ombro. Belinda trouxe café e uma sacola do restaurante do térreo. Harold caminhava pelo corredor como se fosse médico residente. Meu celular tocava sem parar. Ignorei até não aguentar mais e atendi — confessei tudo a Greg.
— “Estou indo agora.”
Quando o médico finalmente apareceu, todos se levantaram.
— “Ela saiu bem da cirurgia, mas o coração está fraco. As próximas 48 horas são críticas. Ela precisa de transfusão de sangue.”
Sem hesitar:
— “O meu é compatível. Usem o meu.”
Harold tentou protestar, mas com um olhar meu, recuou. Logo, eu estava deitada ao lado de Nina, uma veia conectada à dela — uma ligação silenciosa e inesperada.
Demorou até que ela dissesse algo.
— “Quem é o Scooter?”
— “Filho do Greg.”
— “O Greg tem filhos?”
— “Dois. Mia e Scooter.” Respirei fundo. “Belinda… não pode ter filhos.”
O rosto de Nina suavizou.
— “É por isso que ela quer a Daisy.”
— “Ela não quer tirá-la de você. Só quer fazer parte da vida dela.”
Nina soltou o ar com dificuldade.
— “Você não entende. Fui sozinha a vida inteira, Vivi. A Daisy me salvou. Não posso perdê-la.”
— “Você nunca esteve sozinha. Só não quis enxergar.”
Antes que pudesse responder, a porta se escancarou. Greg entrou com Veronica atrás.
— “Onde vocês estavam, pelo amor de Deus?!”
— “Relaxa, querido,” murmurei, massageando o braço. “Só estava doando sangue casualmente.”
Logo chegaram Margo e Dolly, agitadas.
— “Você tem noção do susto que nos deu?”
Scooter apareceu arrastando Harold pela mão.
— “Ela acordou! Agora a gente vai ter respostas?”
Antes que eu falasse, uma enfermeira estourou a porta.
— “Chega! Isso aqui é hospital, não reunião de condomínio! Todo mundo pra fora!”
Um a um, foram saindo. A enfermeira me desconectou e disse:
— “Você também precisa descansar. Te colocarei em outro quarto.”
Antes de sair, olhei pra trás. Harold ainda estava lá.
— “Senhor, horário de visitas acabou.”
— “Só um minuto,” ele pediu.
Ela suspirou, mas permitiu.
— “Só não grite.”
Fiquei na porta por um instante.
— “Você precisa descansar,” disse Harold. “Venha ficar comigo. A Daisy também pode ir.”
— “O quê?”
— “Somos velhos, Nina. Não temos que criar filhos. Temos que ser o que somos: avós.”
Ela soltou uma risada trêmula.
— “Você acha que a Daisy ainda vai me ver como mãe?”
— “Você vai descobrir. Mas primeiro, precisa de apoio. E de consertar as coisas com Belinda.”
Nina hesitou. Depois, assentiu.
— “Hora de ir,” disse o médico entrando. “Visitas, fora.”
— “Menos eu,” sorriu Harold. “Fico aqui.”
— “Não a deixe te mandar demais,” resmunguei, já saindo com a enfermeira. “Você já é irritante o suficiente.”
Saí exausta, mas pela primeira vez em anos… em paz.
Duas semanas depois, a casa parecia cheia como nunca. Aquela noite, estava viva. Todos à mesa para o jantar: Greg, Veronica, Mia, Scooter, Belinda, Daisy, Harold… até Nina, recém-saída do hospital e serena.
Ela tinha se mudado para a casa de Harold, que — surpreendentemente — se mostrou cuidadoso e dedicado. Daisy a chamava de “mamãe velha” e Belinda era só “mamãe”.
E Belinda… era uma mãe incrível.
Vi enquanto ela ajudava Daisy a servir a salada. A menina a olhava com olhos brilhantes.
— “Tá vendo?” murmurou Harold ao meu lado. “Você agita tudo, mas no fim, tudo se acalma.”
Revirei os olhos.
— “Aproveita enquanto dura.”
O clima era leve. Risos enchiam o ar. Pratos tilintando, conversas se cruzando.
Greg enxugou a boca.
— “Mãe, admito… a vida com você nunca é entediante.”
Mia deu um cutucão nele.
— “Papai, seja legal com a vovó Vivi.”
— “Sabe,” suspirou Veronica, “sinto que essa é minha verdadeira casa agora.”
Scooter desenhava no seu caderno:
— “Essa casa tem segredos. É perfeita pro meu treinamento de detetive.”
Harold gargalhou, abraçando Nina. E justo quando achei que a noite passaria sem surpresas…
Batidas na porta.
Silêncio total. Todos se olharam. Não esperávamos ninguém. Levantei com o coração acelerado. Abri a porta.
Um homem da minha idade, com um buquê enorme.
— “PATRICK,” sussurrei, com o estômago afundando.
Sem ser convidado, ele já dava um passo pra dentro.
— “Vivi! Que bom te ver! Olha só esse lugar! Jantar em família? Que ocasião é?”
Era o Patrick. Meu ex. O encantador… até que ele virou um furacão. O homem dos planos impulsivos, que nunca entendia indiretas.
— “Vim de longe só pra te ver!” — dizia, balançando o buquê. — “Posso me juntar? Vou só lavar as mãos!”
E foi desaparecendo pelo corredor.
Atrás de mim, todos estavam em choque.
— “Mãe,” disse Greg, largando o garfo, “quem é esse cara?”
Harold franziu a testa.
— “Quer que eu expulse ele, ou deixamos ver o que acontece?”
Veronica já filmava discretamente.
— “Isso é melhor que série.”
Scooter abria seu caderno.
— “Acho que… temos um novo mistério.”
E eu… só massageei as têmporas. Porque, sinceramente?
Ele não estava errado.