HISTÓRIAS

Ele jogou lama na ex-esposa grávida

O cheiro de esgoto misturado a óleo diesel foi a primeira coisa que atingiu Emília. Logo em seguida, a violência da água fria e barrenta explodiu contra seu corpo como um soco no estômago. A blusa clara ficou manchada de marrom escuro em segundos, exatamente sobre a barriga de cinco meses — onde crescia seu bebê, o milagre que os médicos haviam dito ser impossível.

Emília parou, atônita. As sacolas de supermercado escorregaram de suas mãos e se espalharam pelo asfalto molhado da Vila Madalena. Laranjas rolaram, pacotes de biscoito se rasgaram. Instintivamente, ela levou as mãos ao ventre, protegendo a vida que carregava.

O ronco grave de um motor potente fez seu coração disparar.

Uma SUV preta, enorme e luxuosa, freou ao seu lado. O vidro fumê desceu lentamente, revelando um rosto que Emília reconheceria em qualquer lugar — mesmo depois de seis anos.

Ricardo.

O mesmo homem que um dia lhe jurou amor eterno. O mesmo que desviou o olhar quando a filha deles, Sofia, morreu em seus braços na maternidade. O mesmo que a abandonou pouco depois, dizendo que ela era “quebrada demais” para ser esposa ou mãe.

Agora, o rosto dele estava deformado por desprezo.

— Não acredito… Emília? — disse ele, com um sorriso cruel. — Ainda vivendo como a pobre, falida e estéril que eu deixei para trás.

O cheiro caro de seu perfume contrastava com a lama que escorria pelo corpo dela.

— Olha só você — continuou. — Fazendo compras como uma dona de casa qualquer. Não conseguiu mesmo segurar um marido de verdade, hein?

Os olhos de Ricardo desceram até a barriga de Emília, e seu sorriso se tornou perverso.

— E ainda achou alguém idiota o bastante para te engravidar? Nós dois sabemos que seu corpo inútil não consegue levar uma gravidez adiante. Você vai perder esse também… como perdeu a nossa filha.

As palavras foram mais violentas do que a água suja.

Emília sentiu o ar sumir dos pulmões, mas não chorou. As lembranças do hospital, da dor, da solidão, vieram como um golpe. Ainda assim, ela permaneceu ereta.

No banco do passageiro, Valéria — a amante agora promovida a “assistente executiva” — riu alto, exibindo óculos de grife e uma bolsa caríssima.

— Meu Deus, Ricardo, que cena! Essa é a ex? — debochou.

— Infelizmente — respondeu ele, dando de ombros. — Boa sorte tentando manter isso vivo, Emília. A gente sabe como essa história termina.

O carro arrancou, espalhando mais lama, e desapareceu na rua.

Emília ficou ali por alguns segundos, encharcada, tremendo… mas não destruída.

Porque Ricardo Bittencourt não fazia a menor ideia.

Não fazia ideia de que aquela mulher humilhada não era mais a Emília frágil de seis anos atrás. Que ela agora era Emília Camargo Sterling — esposa de um dos bilionários mais influentes do país, herdeira de um império internacional de tecnologia e filantropia.

Não fazia ideia de que o homem que ela amava agora acompanhava cada consulta médica, falava com o bebê todas as noites e havia devolvido a ela tudo o que Ricardo tentou destruir: dignidade, segurança e amor.

Alguns dias depois, em um evento empresarial transmitido ao vivo, Ricardo quase deixou o copo cair das mãos ao ver Emília entrar no salão, elegante, segura, com o marido ao lado — um nome que fazia todos se levantarem em respeito.

Grávida. Feliz. Intocável.

Foi naquele momento que Ricardo entendeu.

A lama que ele jogou nela naquela rua não a sujou.

Apenas revelou quem realmente era o homem que ele sempre foi.

E quem Emília havia se tornado.

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