HISTÓRIAS

Minha mãe me abandonou na porta de um estranho. 25 anos depois, ela virou minha governanta — sem saber que eu era sua filha.

Quem é uma criança sem raízes? Ninguém. Apenas um fantasma que, por acaso, ganhou um corpo.

— Isso quer dizer que você sempre se sentiu como um fantasma? — perguntou Mikhail, mexendo seu café em minha cozinha espaçosa e elegante.

Eu o encarei — meu único amigo, o único que sabia toda a verdade. Aquele que me ajudou a encontrar a mulher que me carregou no ventre e, mesmo assim, me rejeitou como se eu fosse nada.

Meu primeiro choro não abalou o coração dela. Tudo o que restou foi um bilhete preso a uma manta barata: “Perdoe-me.”
Meus pais adotivos abriram a porta e viram um bebê. Estava viva, chorando. Tiveram a decência de não me enviar a um orfanato, mas não tiveram amor suficiente para me acolher de verdade.

— Você está na nossa casa, Alexandra, mas lembre-se: somos estranhos para você, assim como você é para nós. Estamos apenas cumprindo um dever humano — repetia Lyudmila Petrovna todos os anos.

O apartamento deles virou uma prisão. Fui colocada num canto do corredor, numa cama dobrável. Comia sozinha, sempre depois deles, apenas os restos frios.

Minhas roupas vinham do mercado de pulgas, sempre grandes demais.
Na escola, eu era a excluída. “Achada”, “sem nome”, “sem valor” — cochichavam atrás de mim.

Nunca chorei. Guardei tudo dentro. Raiva, força, determinação. Cada empurrão, cada humilhação, cada olhar gelado virou combustível.

Aos 13 anos comecei a trabalhar — panfletando, passeando com cachorros. Escondia o dinheiro entre as tábuas do chão. Um dia, Lyudmila encontrou.

— Roubando? — perguntou, segurando as cédulas. — Sabia que a maçã não cai longe do pé…

— É meu. Eu trabalhei por isso — respondi.

Ela jogou o dinheiro sobre a mesa.
— Então pague. Por comer. Por morar aqui. Já tem idade pra isso.

Aos 15, eu já trabalhava sempre que não estava na escola. Aos 17, entrei para uma universidade em outra cidade.

Fui embora com uma mochila e uma caixa. Dentro dela, a única ligação com meu passado: uma foto de recém-nascido tirada por uma enfermeira, pouco antes de uma mulher anônima me tirar do hospital.

— Ela nunca te amou, Sasha — disse minha mãe adotiva na despedida. — E nós também não. Mas, ao menos, fomos honestos.

Na república, dividia um quarto com mais três meninas. Sobrevivia de macarrão instantâneo. Estudava obsessivamente — só notas máximas, só bolsas. À noite, trabalhava num mercadinho 24h.
Colegas riam das minhas roupas gastas. Eu não os ouvia. Apenas uma voz dentro de mim dizia:
“Eu vou encontrá-la. E vou mostrar quem ela deixou para trás.”

A vida surpreende. Às vezes, dá chances onde menos esperamos. No terceiro ano da faculdade, nosso professor de marketing nos deu um desafio: criar uma estratégia para uma marca de cosméticos orgânicos.

Fiquei três dias sem dormir, focada em entregar o melhor. No final da apresentação, a sala estava em silêncio.

Uma semana depois, o professor entrou na sala, eufórico:

— Sasha, investidores de Skolkovo viram seu projeto. Querem falar com você!

Não recebi dinheiro, mas ganhei uma pequena participação na startup. Assinei com a mão tremendo — não tinha nada a perder.

Aos 23 anos, comprei um apartamento amplo no centro da cidade. Trouxe apenas minha mochila e aquela mesma caixa.

— Sabe — disse a Mikhail no dia em que nos conhecemos numa conferência — pensei que o sucesso me faria feliz. Mas só me deixou mais sozinha.

Foi assim que contei minha história. Mikhail, além de amigo, era detetive particular. Ele se ofereceu para ajudar a procurar minha mãe. Dois anos de busca.

Irina Sokolova.
47 anos. Divorciada. Vive de pequenos bicos. Sem filhos. “Sem filhos.”

Essa frase doeu mais que tudo. Vi a foto dela — o rosto apagado, cansado da vida.

— Ela está procurando trabalho — disse Mikhail. — Limpa apartamentos. Você tem certeza disso?

— Absoluta.

O plano era simples: Mikhail postou um anúncio de vaga em meu nome. Ele a entrevistou no meu escritório, sentado à minha mesa, enquanto eu assistia tudo por uma câmera escondida.

Uma semana depois, Irina começou a trabalhar.

Vi-a entrar com baldes, panos e cheiro de limão. Aquela que tinha sido tudo para mim, mas escolhera não ser nada.

Ela limpava meu chão, minhas prateleiras caras, compradas para impressionar.

Foram dois meses. Oito limpezas. Ela vinha e ia, deixando só o perfume cítrico e a casa impecável.

Mal falávamos. Eu estava sempre “ocupada” ou “em uma chamada importante”. Mas a observava — cada passo, cada suspiro.

Toda vez que ela saía, eu pegava a foto de bebê e tentava encontrar ali alguma explicação. Por quê? O que havia de errado comigo para que ela não me quisesse?

A resposta chegou de forma inesperada.

Um dia, ela parou diante da estante, onde ficava minha foto de formatura em uma moldura de prata.

Ela a pegou, estreitando os olhos, como se buscasse uma lembrança esquecida.

— Está vendo algo familiar? — perguntei.

— Alexandra Gennadievna… eu só estava tirando o pó — disse ela.

— Você está chorando.

— É só o pó… irrita meus olhos. Acontece com frequência.

— Tem algo em você… — sussurrou. — Me lembra alguém. De muito tempo atrás.

— Irina Mikhailovna, há 25 anos você deixou uma menina na porta de um estranho. Com um bilhete: ‘Perdoe-me.’

Ela me olhou.

— Isso… isso não pode ser…

— Você destruiu meus sonhos. Sempre imaginei perguntar: Por quê? Por que eu não merecia nem uma chance?

— Você não entende… eu era tão jovem. O pai sumiu quando descobriu a gravidez. Meus pais me expulsaram. Eu não tinha nada… nem casa, nem dinheiro, nem apoio. Eu… eu estava desesperada.

— E por isso me deixou?

— Achei que seria melhor para você. Que outra pessoa poderia te dar o que eu não podia… uma casa, comida, amor…

Ela abaixou a cabeça, chorando.

— Me perdoe… se puder. Ou pelo menos… me deixe…

— Deixar você o quê?

— Ficar perto de você. Conhecer você. Mesmo que seja como sua faxineira. Por favor… não me mande embora.

— Não — respondi em voz baixa. — Não quero vingança. Mas também não tenho o que perdoar. Você fez sua escolha. E agora… eu faço a minha. Eu entendo você. E, finalmente, entendo a mim mesma.

Peguei a foto do recém-nascido.

— Você conseguiu — murmurei. — Conseguiu sozinha.

Dias depois, liguei para ela. Convidei-a para um novo encontro.
Para, quem sabe, começarmos uma nova vida. Juntas.

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