NO DIA SEGUINTE AO CASAMENTO

A manhã após o casamento deveria ter sido perfeita. A luz suave atravessava as cortinas da suíte de lua de mel no Hotel Serra Alta, iluminando o carpete macio e a bandeja de champanhe da noite anterior. Eu imaginava que passaríamos horas na cama, pediríamos café da manhã, talvez passearíamos pelos jardins. Coisas normais de recém-casados.
Mas isso durou pouco.
Assim que acordou, Daniel foi ao banheiro — e trancou a porta. Dez minutos passaram. Depois quinze. Aos vinte, comecei a achar estranho. Aos trinta, fiquei inquieta. Aos quarenta e cinco, meu coração já batia no pescoço.
Bati na porta.
“Daniel? Tudo bem aí?”
Nada.
Então, ouvi.
Uma voz.
Uma voz de mulher.
Baixa. Urgente. Sussurrando.
Encostei o ouvido na porta, o estômago embrulhado.
“…ela não sabe… fala mais baixo…”
Meu sangue gelou. Era o nosso primeiro dia como marido e mulher. E havia outra mulher no banheiro?
Bati com força.
“Quem tá aí? Daniel, abre essa porta agora!”
Os sussurros cessaram. Por dois segundos.
Até que ouvi:
“Lúcia, espera—não entra—”
Tarde demais.
Ergui o pé e chutei a porta. A fechadura fraca cedeu.
A porta abriu.
Mas o que eu encontrei não era o que eu esperava.
Daniel estava sentado no chão, pálido como se tivesse visto um fantasma. Não havia mulher alguma no banheiro. Apenas o celular dele, no viva-voz, mostrando a imagem de uma jovem desesperada, chorando.
“Daniel?”, murmurei. “O que… tá acontecendo?”
Ele tentou desligar, nervoso. “Não é o que você pensa.”
“Ah, não? Porque parece que meu marido novinho em folha se trancou no banheiro para falar com alguma garota!”
“Lúcia, por favor. Me escuta.”
Mesmo com o áudio mutado, a menina na tela continuava falando. Pela leitura labial, entendi: Eles encontraram…
Um arrepio percorreu meu corpo.
Daniel passou a mão no rosto, exausto.
“O nome dela é Helena. Ela é minha irmã.”
Eu congelei.
“…Você não tem irmã.”
“Tenho. Eu só nunca contei.”
Aquela frase doeu quase tanto quanto uma traição.
Cruzei os braços. “Então explica. Agora.”
Ele respirou fundo.
“Helena tá escondida há meses de um homem chamado Ricardo. Um sujeito perigoso. Violento. Meu pai colocou ela numa casa segura no ano passado. Ninguém deveria saber onde ela estava.”
“Por que você nunca me contou isso?”
“Porque quanto menos gente soubesse, mais segura ela estaria.”
A câmera tremeu nas mãos de Helena. Ela virou o celular e mostrou uma janela quebrada, o colchão rasgado, pegadas lamacentas no chão.
Meu estômago virou.
“Isso… isso é onde ela mora agora?”, perguntei.
“Era”, Daniel murmurou. “Ela tá fugindo. Ele encontrou ela.”
Sem querer, o áudio voltou.
“Daniel… ele tá aqui fora. Eu… eu não sei como. Mas ele me achou. Por favor… me ajuda.”
O desespero dela encheu o banheiro.
Daniel levantou num salto. “Eu preciso ir atrás dela. Agora.”
Meu coração disparou. “Mas… nós estamos na lua de mel!”
“Lúcia… é a minha irmã. Se eu não chegar lá hoje, ela pode não sobreviver.”
Eu olhei para ele. Para o celular. Para a janela quebrada na tela. Para a verdade que eu nunca imaginei enfrentar no dia seguinte ao casamento.
E então percebi: essa não era uma escolha. Era uma vida.
Respirei fundo.
“Eu vou com você.”
Daniel arregalou os olhos. “Tem certeza?”
“Você não vai enfrentar isso sozinho. Não mais.”
Ele segurou minha mão — firme, como se se agarrasse à última esperança que tinha.
Saímos da suíte às pressas, descemos as escadas do hotel quase correndo e entramos no carro. Enquanto a estrada se estendia à nossa frente, senti uma mistura de medo e determinação crescer dentro de mim.
Nossa lua de mel tinha acabado antes mesmo de começar.
Mas, naquele momento, percebi que talvez nosso casamento estivesse começando ali — não com champanhe e flores, mas com coragem, lealdade e um perigo real que eu ainda não compreendia.
Eu só sabia de uma coisa:
Se quisermos salvar Helena, tudo pode acontecer.
E nada — absolutamente nada — será igual depois disso.



