O Retrato da Redenção.

Eu tinha tudo o que o dinheiro podia comprar: uma propriedade enorme, carros de luxo e mais riqueza do que poderia gastar em uma vida. No entanto, por dentro, havia um vazio que nada preenchia. Aos sessenta e um anos, eu lamentava as escolhas que me levaram à solidão.
Certo dia, ao voltar para casa, vi uma mulher vasculhando o lixo. Magra e desgrenhada, seus movimentos tinham uma determinação sombria que me tocou de uma maneira inesperada. Sem pensar, encostei o carro e baixei o vidro.

— Você precisa de ajuda?
Ela me olhou com desconfiança, mas havia cansaço em seu olhar.
— Você está oferecendo?
Eu não sabia o que responder. Saí do carro e me aproximei.
— Não parece certo você estar aqui. Você tem um lugar para passar a noite?
Ela hesitou antes de balançar a cabeça negativamente.
— Eu tenho uma garagem. Na verdade, é mais como uma casa de hóspedes. Você pode ficar lá até se reerguer.
Depois de alguns instantes de silêncio, ela cedeu.
— Só por uma noite. Sou Lexi.
A viagem até minha casa foi silenciosa. Ao chegar, mostrei o pequeno espaço para ela, com comida na geladeira e uma cama confortável. Nos dias que se seguiram, Lexi permaneceu na garagem, mas aos poucos nossas conversas se tornaram mais frequentes. Ela tinha uma inteligência afiada e um senso de humor que iluminava minha rotina.
Uma noite, durante o jantar, ela começou a se abrir:
— Eu era artista. Tinha uma pequena galeria… mas tudo desmoronou depois que meu marido me deixou e me expulsou de casa.
A dor em sua voz era palpável. Eu conhecia bem aquele vazio, aquela sensação de ter perdido tudo.
Nossa conexão crescia dia após dia, e eu me sentia menos sozinho. Mas tudo mudou numa tarde. Enquanto procurava uma bomba de ar na garagem, entrei sem bater e me deparei com dezenas de pinturas espalhadas pelo chão.
Eram todas de mim. Mas não de uma forma lisonjeira. Em uma, eu estava acorrentado. Em outra, sangue escorria dos meus olhos. Havia até uma pintura minha deitado em um caixão. A náusea tomou conta de mim.
Naquela noite, durante o jantar, não consegui esconder meu desconforto.
— Lexi, o que são aquelas pinturas?
Ela largou o garfo, pálida.
— Eu não queria que você visse.
— É assim que você me vê? Como um monstro?
Ela começou a chorar.
— Eu estava com raiva. Perdi tudo e você tem tanto. Não era justo… eu precisava colocar isso para fora.
Fiquei em silêncio por um longo tempo. Parte de mim entendia, mas outra parte se sentia traída.
— Acho que é melhor você ir embora — disse, minha voz fria.
Na manhã seguinte, levei-a a um abrigo. Entreguei-lhe algumas centenas de dólares, e ela aceitou com as mãos trêmulas. Quando fui embora, uma sensação de perda se instalou em mim.
Semanas se passaram. O vazio voltou, mais forte do que nunca. Então, um dia, recebi um pacote. Dentro, havia uma pintura. Não grotesca, mas serena. Era um retrato meu, capturado com uma paz que eu não sabia possuir. Junto, havia uma nota com o número de Lexi.
Meu coração disparou. Peguei o telefone e liguei. A voz dela ao atender era hesitante.
— Lexi, recebi sua pintura. É linda.
— Achei que devia algo melhor a você… depois daquelas outras pinturas.
— Eu te perdoo, Lexi. De verdade.
Depois de um momento de silêncio, ela perguntou:
— E agora?
— Talvez a gente possa recomeçar. Jantar? Conversar?
— Eu adoraria.
Descobri que Lexi usou o dinheiro que dei para comprar roupas novas e arranjar um emprego. Estava prestes a se mudar para seu próprio apartamento. Quando marcamos o jantar, senti uma faísca de esperança. Não apenas por ela, mas por nós dois.
E assim, na simplicidade de uma ligação, encontrei o começo de algo novo. Talvez, desta vez, o vazio finalmente fosse preenchido.