HISTÓRIAS

UM PAI DESCOBRIU QUE SEU FILHO DE UM ANO VIVIA ENCOSTADO NA PAREDE.

— E QUANDO OUVIU AS TRÊS PALAVRAS QUE ELE SUSSURROU, FICOU SEM VOZ.

O apartamento velho onde moravam sempre pareceu carregar o peso de tudo que haviam perdido. As paredes descascadas, o piso manchado, o silêncio constante… tudo lembrava o pai do que já não voltaria mais. Depois da morte da esposa no parto, ele tentava sobreviver um dia de cada vez, criando sozinho o filho que ainda mal entendia o mundo.

O bebê era doce, tranquilo demais, silencioso demais. Enquanto outros pais reclamavam de noites mal dormidas e choros intermináveis, ele enfrentava o oposto: um menino que mal se expressava. Às vezes, esse silêncio doía mais do que qualquer grito.

A rotina era sempre a mesma: acordar cedo, trabalhar, buscar o filho, dar banho, comida, mamadeira, colocar para dormir. Depois, ele ficava na sala, encarando a tela do computador enquanto lutava contra a solidão que batia como um eco dentro daquelas paredes frias.

Foi num sábado de manhã que algo mudou.

O pai encontrou o menino parado de frente para a parede da sala. O rostinho colado no reboco áspero, o corpo imóvel, como se estivesse absorvendo um segredo. Ele achou estranho, mas não se preocupou — crianças inventam manias o tempo todo.

No domingo, a cena se repetiu.

Na segunda-feira, ao chegar do trabalho, encontrou o bebê exatamente da mesma forma: imóvel, encostado na parede, respirando lentamente, indiferente ao seu chamado.

No terceiro dia, já não era coincidência — era um padrão.

A cada poucas horas, o menino engatinhava até o mesmo canto, encostava o rosto no reboco frio e ficava ali, em silêncio profundo. O pai começou a notar algo ainda mais perturbador: às vezes, o bebê inclinava levemente a cabeça, como se estivesse ouvindo alguém… ou respondendo a alguém.

O coração do pai apertou. Será que era um problema neurológico? Psicológico? Alguma sequela do parto difícil? Ele não suportaria perder mais nada.

Decidido a entender, naquela noite ele esperou. Quando o menino se aproximou do canto novamente, o pai o seguiu em silêncio. Ajoelhou-se ao lado dele e encostou o próprio ouvido na parede — sem saber exatamente o que esperava encontrar.

E então ouviu.

O menino murmurou algo quase inaudível, um sussurro tão fraco que parecia rasgar o ar.

Três palavras.

Três palavras que nenhum bebê deveria ser capaz de dizer.

Três palavras que fizeram o sangue do pai gelar nas veias.

“Papai… não chora.”

O pai recuou, atordoado. Aquelas palavras eram as mesmas que sua esposa dizia todas as noites quando ele chegava tarde do trabalho, exausto e preocupado. Palavras que ele não ouvia desde o dia em que ela morreu.

O bebê continuava com a testa encostada na parede, repetindo baixinho, como se imitasse uma voz que só ele podia escutar.

Tremendo, o pai passou a mão pela superfície do reboco — e sentiu um resíduo frio, quase úmido. Como se algo naquele canto guardasse mais do que poeira.

Naquela noite, ele tirou todos os móveis, limpou tudo e decidiu pintar a parede, tentando apagar a sensação de que algo ali observava sua dor. Enquanto passava a tinta nova, encontrou atrás do rodapé uma pequena rachadura que nunca notara. Dentro dela, um objeto enrolado em pano antigo.

Era uma foto.

Ele e a esposa, sorrindo no dia da mudança para aquele apartamento. No verso, escrito com a caligrafia dela:

“Quando estiver difícil, eu sempre vou estar aqui.”

O pai desabou em lágrimas. Não havia resposta lógica para o que o filho dissera — talvez nunca houvesse. Mas naquele momento, ele entendeu que carregava dentro de si uma saudade tão profunda que até o silêncio das paredes parecia senti-la.

Na manhã seguinte, o menino acordou sorrindo. Não voltou para o canto. Não murmurou mais nada.

E, pela primeira vez desde a tragédia, o pai também conseguiu sorrir.

Talvez algumas presenças nunca nos deixem de verdade. Talvez o amor encontre formas discretas — e assustadoramente doces — de nos lembrar disso.

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