“Você não vai com a gente este ano”

Meu marido me disse:
— Você não vai com a gente este ano.
E embarcou para Fernando de Noronha com a família… e com a amante.
Mas quando eles voltaram e viram o que eu tinha feito, ficaram sem cor no rosto.
Eu estava tirando do forno o frango com alecrim que o Marcelo sempre disse amar quando o telefone tocou. Ele falou naquele tom calmo e distante que usava sempre que já tinha tomado uma decisão sem me consultar.
Disse que os pais dele, o irmão, a cunhada e uma “amiga da família” estavam embarcando para Fernando de Noronha por uma semana. Comentou, como quem fala do tempo, que a casa alugada “não tinha espaço” para mais uma pessoa.
Mantive a voz firme.
Mesmo quando ele acrescentou, sem qualquer constrangimento, que eu poderia aproveitar o tempo para regar as plantas enquanto ele estivesse fora. Como se eu tivesse ficado em casa por escolha — e não porque haviam me empurrado para fora da viagem sem coragem de dizer a verdade.
Quando a ligação terminou, comecei a tirar a mesa em silêncio. Minhas mãos tremiam tanto que um prato escorregou, caiu no chão e se estilhaçou. Os cacos espalhados pareciam um reflexo perfeito dos últimos três anos do nosso casamento: bonito por fora, frágil por dentro.
Minutos depois, a mãe dele enviou uma mensagem animada no grupo da família:
“Viagem completa! Todos juntos! 💙✈️”
Meu nome não estava ali. De novo.
E algo dentro de mim ficou gelado… e, ao mesmo tempo, absurdamente claro.
Olhei para a porta vazia.
Para a casa que eu mantive sozinha.
Para os planos que sempre ajustei para caber nos outros.
E entendi que, desta vez, eu não ficaria esperando. Não seria mais a mulher que aceitava migalhas da própria vida.
Na manhã seguinte, comecei a agir.
Durante aquela semana, enquanto eles postavam fotos de praias paradisíacas e sorrisos ensaiados, eu tomava decisões. Falei com um advogado. Reuni documentos. Abri uma conta só minha. E, pela primeira vez em muito tempo, senti algo próximo de paz.
Descobri oficialmente o que já suspeitava: a “amiga da família” era amante de Marcelo havia mais de um ano. E pior — os pais dele sabiam. Sempre souberam.
Na quinta-feira, assinei os papéis.
Na sexta, troquei a fechadura.
No sábado, organizei a casa. Não por eles, mas por mim. Tirei tudo o que não me pertencia emocionalmente. Fotos. Objetos. Lembranças que já não faziam sentido.
E deixei apenas uma coisa sobre a mesa da sala:
uma pasta.
Quando o avião pousou e Marcelo chegou em casa com a família e a amante — certos de que tudo estaria exatamente onde deixaram — encontraram a porta fechada.
Marcelo bateu, confuso. Tentou a chave. Nada.
Foi então que viu o envelope colado na porta com o nome dele.
Dentro, os papéis do divórcio.
Uma cópia do contrato de venda da casa — que estava em meu nome desde o início.
E um bilhete curto, escrito com a calma que eu demorei anos para conquistar:
“Reguei as plantas.
Cuidei da casa.
Agora estou cuidando de mim.
Boa viagem de volta à realidade.”
O rosto dele perdeu a cor.
A mãe ficou sem palavras.
A amante deu um passo para trás, como se finalmente entendesse onde havia se metido.
Eu observava tudo de longe, sentada no carro, sentindo algo que nunca tinha sentido naquele casamento:
Liberdade.
Porque, no fim, eles foram para um paraíso achando que estavam deixando alguém para trás.
Mas quem realmente ficou livre… fui eu.



