HISTÓRIAS

Deixei o Filho de um Desconhecido Dormir em Mim — E Depois Descobri Por Que Ele Estava Realmente Sozinho.

Era uma noite morna de setembro, daquelas em que o ar ainda carrega os últimos suspiros do verão. Eu estava no estádio da escola, sentada no meio das arquibancadas, imersa no som da torcida e no cheiro de pipoca. O jogo em si não importava — era só mais uma final local. Eu tinha ido mais para espairecer do que por interesse no placar. Precisava fugir do meu apartamento, do meu celular, da minha própria cabeça. E, sendo honesta, os nachos com jalapeño valiam a viagem.

Escolhi uma fileira quase vazia, tirei os sapatos e me acomodei com um Gatorade gelado numa mão e uma bandeja gordurosa na outra. Era um tipo de paz silenciosa que só se encontra quando você está cercada por movimento, mas não tem compromisso com ele.

Foi então que o vi.

Um garotinho, de uns quatro ou cinco anos, estava sozinho a alguns assentos de distância. Segurava um dedo de espuma azul quase do tamanho do seu corpo, usava um boné caindo nos olhos e tênis que piscavam a cada passo. Tentava ver o jogo por entre as grades, sem fazer barulho, apenas absorvendo o momento. A princípio, pensei que estivesse com alguém — talvez os pais tivessem ido ao banheiro ou buscar comida. Mas os minutos foram passando, e ninguém voltava.

O menino começou a balançar de leve, como quem luta contra o sono. Coçava os olhos, resmungava baixinho. A inquietação cresceu dentro de mim. Olhei em volta, esperando ver um adulto atento, mas não havia ninguém observando, chamando ou procurando.

Então, ele me olhou. Foi só um olhar — cansado, silencioso. E, sem dizer nada, caminhou devagar até onde eu estava e se sentou ao meu lado. Depois de um breve instante, se encostou no meu braço como se fosse a coisa mais natural do mundo. Sem hesitação. Só confiança. Fiquei paralisada. Não sabia o que fazer.

Ele cheirava a protetor solar e queijo de nacho. Sua cabeça encaixou perfeitamente debaixo do meu queixo. Eu não me mexi. Só fiquei ali, enquanto ele suspirava baixinho e, em poucos minutos, adormeceu profundamente, roncando baixinho.

Foi nesse momento que a preocupação me invadiu de verdade.

Olhei novamente ao redor. Nada. Ninguém. Toquei no ombro dele, sussurrando “Ei, campeão?” algumas vezes. Nenhuma resposta. Apenas o som suave da sua respiração.

Acenei discretamente para uma funcionária do estádio. Ela se aproximou, se agachou e perguntou:

— Ele é seu?

Balancei a cabeça.
— Não. Ele só veio e… dormiu.

O semblante dela mudou instantaneamente. Pegou o rádio na cintura e murmurou algo que incluía “possível correspondência” e “arquibancada norte”. Depois me olhou com um meio sorriso:
— Obrigada por ficar com ele. Alguém já está a caminho.

— Ele está bem? — perguntei, com o coração apertado.

Ela assentiu, mas com hesitação.
— Recebemos uma ligação mais cedo sobre uma criança desaparecida. A descrição bate.

Engoli em seco.
— Há quanto tempo?

— Cerca de quarenta minutos.

O tempo pareceu desacelerar. Minhas mãos suaram, meu peito apertou. O menino seguia dormindo, alheio à tensão ao redor. Eu mal respirava.

Pouco depois, dois seguranças e uma mulher com jaqueta azul-marinho subiram as escadas. Ela se ajoelhou diante de mim.

— Oi, sou a Lauren. Estávamos procurando por esse garotinho. Ele chegou a dizer algo?

— Nada. Ele só veio e se sentou — respondi.

Ela respirou fundo.
— O nome dele é Wyatt. Ele está com uma creche que trouxe um grupo de crianças para o jogo. Ele se afastou na volta para a van. Só notaram quando foram fazer a contagem final.

— Ele ficou esse tempo todo sozinho?

Lauren desviou o olhar.
— Tempo suficiente. Mas graças a você, ele está bem. Você pode ter evitado algo pior.

Um dos seguranças pegou o pequeno com cuidado. O movimento o acordou. Ele olhou pra mim, ainda sonolento, e disse:

— Gosto da sua blusa.

Foi uma frase tão simples. Tão inocente. Sorri, com os olhos marejados.

— Obrigada, campeão.

Eles o levaram, ainda meio dormindo. Lauren anotou meu nome e telefone numa prancheta, “por precaução”. Eu não vi a responsável da creche. Não soube mais de nada. Apenas agradecimentos… e então o vi desaparecer pelas arquibancadas.

Não fiquei até o fim do jogo.

No dia seguinte, recebi uma ligação de um número desconhecido. Quase ignorei, mas atendi. Era a mãe do Wyatt.

Ela se apresentou com a voz embargada. Disse que era enfermeira, estava de plantão no hospital quando soube do ocorrido. Não sabia exatamente o que tinha acontecido — não foi ela quem deixou ou buscou o filho naquele dia — mas só queria agradecer. De novo e de novo.

E então ela me disse algo que ficou gravado em mim:

— O Wyatt não costuma confiar nas pessoas. Ele é muito reservado. Mas confiou em você. Eu não sei por quê, nem como. Mas obrigada por estar ali.

Fiquei em silêncio por um momento. Depois respondi:

— Ele parecia um bom menino. E eu só fiquei onde precisava estar.

Desliguei. E fiquei sentada por um tempo, pensando em como tudo poderia ter sido diferente. Como quase nem fui ao jogo. Como quase me sentei do outro lado do estádio. Como, às vezes, estar presente — mesmo sem saber por quê — pode ser o gesto mais importante do mundo.

Às vezes, o destino coloca algo inesperado no seu colo. E, de vez em quando, esse “algo” é uma criança de quatro anos com um dedo de espuma, hálito de nacho e um coração que só precisava de um lugar seguro para descansar.

Talvez, só talvez, ser esse lugar tenha sido a coisa mais importante que eu fiz naquela semana.


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