HISTÓRIAS

Fui chamada de “vovó” no trabalho — agora estou repensando tudo

Os primeiros fios grisalhos apareceram quando eu tinha cerca de 34 anos.
Começou com uma mecha prateada discreta na lateral da testa — quase como um charme único. Meu parceiro brincava e chamava de minha “faixa da tempestade”, o que sempre me fazia rir.

Nunca me preocupei em tingi-los — não por rebeldia ou algum tipo de posicionamento, mas porque simplesmente não via necessidade.

Agora, aos 38, os fios grisalhos estão um pouco mais evidentes. Não estou totalmente grisalha, mas a mudança é visível. Ainda assim, nunca toquei numa tintura. Pensava: “Pra quê começar agora?”

Até que, na semana passada, algo aconteceu no trabalho que me tirou do eixo.

Eu estava indo para a copa quando ouvi Jamal, do setor financeiro, fazendo uma piada:
“Pergunta pra vovó ali — ela já trabalhava na época dos fax.”
Congelei por um instante.

Algumas pessoas riram. Eu não.

Fingi que não ouvi, peguei minha salada sem graça na geladeira e saí com expressão neutra.
Mas, por dentro, aquilo me acertou como um soco.

Como se não bastasse, Tyrese — o novo estagiário que eu estava orientando — passou a me chamar de “senhora” num tom tão exageradamente respeitoso que mais parecia estar lidando com uma relíquia.

De repente, minha idade virou o centro das atenções.
Não meu trabalho. Não o fato de eu ter ficado até tarde resolvendo o portal do cliente.
Apenas… os fios prateados próximos às orelhas.

Naquela noite, fiquei um tempo em frente ao espelho do banheiro, testando diferentes penteados, tentando entender o quanto eu “parecia velha”.

Cheguei a baixar um aplicativo para simular como ficaria com o cabelo tingido.

Foi então que minha mãe me enviou uma selfie.
Ela estava na feira, sorrindo com o rosto iluminado, e seus fios grisalhos brilhando ao sol — sem filtro, sem maquiagem, sem legenda. Apenas ela, confiante e natural.

Fiquei olhando para aquela imagem por um bom tempo.

No dia seguinte, ao chegar no trabalho, havia uma pequena caixa sobre minha mesa.
Sem nome, sem cartão — apenas um pacotinho discreto.

Fiquei receosa. Uma brincadeira de mau gosto? Uma provocação?
Mas, ao abrir, encontrei uma touca de crochê lindamente feita — lã cinza com pontos azul escuro.
E, embaixo dela, um bilhete simples: “Use sua coroa com orgulho.”

Fiquei corada. Olhei ao redor, mas ninguém parecia estar prestando atenção.
Jamal digitava em sua mesa. Tyrese não estava por perto.

O gesto me pegou de surpresa.
Seria um incentivo? Uma sugestão sutil para cobrir os cabelos brancos?
Guardei a touca na bolsa, sem saber muito bem como me sentir, e segui com o dia.

À noite, experimentei a touca diante do espelho.
Ela se ajustava perfeitamente e destacava ainda mais os fios prateados.
Pensei novamente na minha mãe — no sorriso dela, na paz que transmitia.

Meu parceiro entrou no quarto:
— “Touca nova?” — perguntou.
— “É. Apareceu na minha mesa. Só tinha um bilhete dizendo pra usar minha coroa.”
— “Parece que o universo está te dando um empurrãozinho.”
— “Talvez esteja.”

No dia seguinte, fui trabalhar usando a touca.
O clima estava fresco, então não parecia fora de lugar.

Tyrese olhou e apenas assentiu com a cabeça, depois voltou ao que fazia.
Jamal me parou no corredor com um sorriso meio sem graça:

— “Bonita touca,” disse. E, num tom mais baixo:
— “Sobre o que eu disse… era só brincadeira. Mas percebi que foi inadequado.”

Olhei firme para ele.
— “É… ficou na minha cabeça. Da próxima vez, só me chama pelo nome.”

— “Claro. Não tive intenção de ofender. Queria dizer que você tem mais experiência do que a maioria aqui. Mas falei de um jeito errado.”

Assenti.
— “Tudo bem.”

Mais tarde, Tyrese veio até minha mesa, meio desconcertado.
— “Ei… se te incomodou eu te chamar de ‘senhora’, foi sem querer. Era pra ser respeitoso.”

— “Eu sei. Mas vamos manter algo mais informal. Você não tá se reportando à rainha.”

Ele riu, visivelmente aliviado. Quando estava se afastando, perguntei:
— “Foi você quem deixou a touca?”

Ele se virou, surpreso:
— “Eu? Quem dera. Nem sei segurar uma agulha.”

O mistério continuou. Mas, de alguma forma, isso já não importava tanto.

A touca virou símbolo de apoio.
De gentileza anônima.
De reencontro com minha própria confiança.

Nos dias seguintes, comecei a olhar meus cabelos prateados com mais carinho, sem querer escondê-los.

Inclusive, Rina, da TI, comentou que escondia os dela com tinta há anos.
Rimos juntas da minha “presente misterioso”.
— “Sortuda você, com admiradores secretos que sabem fazer crochê.”

Na sexta, recebi um e-mail anônimo: “Bonita touca.”
Sem assinatura, sem retorno.
Sorri, me sentindo vista — e estranhamente feliz.

Naquela noite, contei tudo ao meu parceiro mais uma vez, sentindo-me mais leve do que estive em semanas.

Minha mãe respondeu a história com uma mensagem:
**“Esses não são cabelos brancos. São seus brilhos.” ✨

E sabe de uma coisa?
Ela tem razão.

O que começou como uma piada boba me abalou mais do que eu gostaria de admitir — mas também me trouxe uma nova perspectiva.

A autoconfiança não chega de uma vez. É um processo.
E, às vezes, tudo o que você precisa é de uma touca de crochê…
Para lembrar que você está exatamente onde deveria estar. Com todos os seus brilhos de tempestade.

Artigos relacionados